sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Episódio 8: Me Sinto em Ferias

Queria muito visitar as vinícolas, ir a Bento Gonçalves, mas não consegui mais hotel para permanecer na cidade e hoje teria que deixar o meu, sem falar no Tom, não posso furar com ele pela segunda vez. Então, aproveitei as últimas horas que me restavam na cidade para andar sem destino pelas ruas, comprar umas lembranças e partir.
Chegando a Porto Alegre me instalei no hotel, ainda havia algumas horas antes do horário do encontro marcado com o Tom, poderia descansar um pouco. Como seria ele? Estava ansiosa, espero que corra tudo bem, que me simpatize com ele, pelo menos gostava muito de nossas conversas pela rede... é vai ser uma experiência interessante, conhecer um amigo virtual. Sei que isso é muito comum nos dias de hoje, mas nunca pensei que eu fosse conhecer alguém deste modo, menos ainda que fosse viajar para fazer isso. Se gostar dele vai ser uma pena que meu voo parta daqui a dois dias, terei de ir embora.
Acabei perdendo a noção do tempo, acho que cheguei a dormir um pouco, rolei bastante na cama, de um lado para o outro ansiosa pelo encontro e tensa com receio de não ouvir o telefonema que Tom ficou de me dar para combinarmos o horário para o tão adiado encontro. Não ouvi o telefone, tampouco havia ligações perdidas ou mensagens deixadas, me assustei com o horário, era tarde. Liguei para ele, talvez eu tivesse entendido errado e ele tivesse pensando que eu ligaria, mas ninguém atendia, enviei uma mensagem dizendo que já estava na cidade pedindo que me retornasse e saí para jantar sozinha.
Até a hora que fui me deitar o Tom não havia feito nenhum contato, muito estranho, ele sumiu de novo. No dia seguinte acordei sem pressa e fui aproveitar o café do hotel, não quis telefonar tão cedo para meu amigo virtual desaparecido. Fiquei pronta para sair a qualquer momento, tentei um novo contato e nada. Resolvi não esperar mais, peguei algumas informações turísticas na portaria e fui passear.
Como não havia programado nada, resolvi pegar o ônibus de turismo que passava pelo centro histórico e dar uma volta completa, aguardar o telefonema e descer onde mais me agradasse. O telefone não tocou, isso me deixou um pouco de mau humor, um pouco decepcionada e bastante desconfiada, mas fui aos poucos me interagindo com a cidade, até então desconhecida, e deixando sua energia e personalidade penetrarem no meu espírito. Desci no centro histórico para explorá-lo, normalmente é por onde costumo começar a conhecer uma cidade.
O primeiro ponto de minha expedição foi a Igreja Nossa Senhora das Dores, sua construção vem de uma época em que o tempo passava mais devagar, sem a pressa com que levamos a vida nos dias de hoje, talvez essa seja a explicação para sua construção ter se iniciado em 1807 e demorado 97 anos para ser concluída. Era outro ritmo que ditava o curso da vida, bem diferente do nosso tempo em que arranha-céus surgem na paisagem do dia para a noite. Sua arquitetura foi, durante todo período de sua construção, fundindo-se com os estilos arquitetônicos dos anos que perpassaram sua edificação, misturando o estilo alemão com o barroco português numa bricolagem da evolução de diferentes tendências arquitetônicas introduzidas na cidade.
Resolvi, então, fazer mais uma tentativa de falar com o Tom. Estava na Praça da Alfandega, povoada por suas paineiras, ipês e jacarandás, tentei algumas vezes, já ia desistindo para continuar com meu passeio quando uma voz do outro lado respondeu, era uma mulher. Achei que havia ocorrido algum erro na ligação, então perguntei se aquele telefone era do Tom, ouvia outras vozes e gargalhadas animadas do outro lado, a mulher respondeu que sim, quem falava era uma amiga dele e meio sem saber o que dizer, no improviso, justificou que ele havia esquecido o telefone com ela. Do outro lado da linha, ouvi uma voz de homem dizendo para ela me falar que o Tom não ia me ligar de volta, ela então repetiu o que já havia escutado. Só consegui responder que já sabia e desliguei, estava atordoada e perplexa, tinha certeza de que era ele.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Episódio 7: E O Tempo Passou Um Pouco Mais Lento Hoje

Finalmente consegui falar com o Tom, estava um pouco sem graça por causa do meu furo com ele, então fiquei sem jeito de perguntar o que havia acontecido, achei melhor não questionar nada. Muito estranho o comportamento dele, havia marcado comigo e agiu como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse sido combinado, isso me deixou muito desconfiada. Como estava culpada por ter entrado no ônibus para Gramado fui logo enrolando a desculpa mal inventada, isso pode não ter dado espaço para ele se explicar, talvez esteja intrigada a toa.
Como minha hospedagem na cidade acabaria antes da data do meu voo para o Rio decidi ir até Porto Alegre e me encontrar com ele, portanto lhe disse que a viajem havia apenas sido adiada e combinamos um novo encontro. Passei quase todo o dia caminhando a esmo pela cidade, não cansava de olhar as vitrines das lojas e a arquitetura, vez ou outra entrava numa loja ou parava para comer chocolate. Depois de almoçar num dos muitos maravilhosos restaurantes da cidade caminhei até o Lago Negro onde passei a tarde e me meti a fazer uma coisa que não fazia desde a infância, andar de pedalinho.
Lá do meio do lago pude observar uma jovem mãe na margem de mãos dadas com sua pequena filha, deveria ter uns dois ou três anos, não mais que isso. A garotinha usava um vestidinho colorido, cabelos curtos enroladinhos, meio presos com um laço e um sorriso delicioso no rosto, as vezes dava para ouvir suas gargalhadas ao explorar o mundo. Me perdi tentando imaginar que eram de fora, a família devia ter vindo para ver o Natal Mágico e provavelmente a menininha iria acreditar em todas as histórias que ouvira sobre esta época do ano. Tentei imaginar se eu tivesse um bebê se poderia se parecer com aquela criança, em como seria bom em mostrar os patinhos do lago e ver seu rostinho de descoberta, ter seu abraço e suas pequenas mãos mexendo nos meus cabelos, talvez me idolatrando e me achando a mulher mais linda de todas, sua segurança, a sua mãe.
Normalmente não penso nessas coisas, pelo contrário, fico imaginando como seria atrapalhada minha vida se tivesse filhos, penso que eles não caberiam nela como é agora. Talvez pense assim porque não me casei, se isso tivesse acontecido talvez os planos fossem outros, talvez quisesse que a família crescesse. Porém, isso me parece um acontecimento tão distante de mim de tal modo que tenho certeza de que não serei mãe e contra mim ainda tenho o tempo. Não sei por que não consigo me ver cuidando de um filho, a não ser por alguns instantes como hoje, mas os filhos são para sempre, não são instantes, é um plano para a vida toda, dizem que compensa. Gostaria de descobrir isso, mas penso que o preço é alto e que não é um plano escrito para minha vida.
O que me conforta e me afasta desse tipo de pensamento é que não preciso decidir isso hoje e nem sozinha, como não tem ninguém para tomar esta decisão comigo fica relegado a uma espera de que um dia eu venha, quem sabe e se der tempo, me decidir. O que gostaria mesmo era que fosse uma escolha, porque muitas vezes não é e do modo como me relaciono com esta questão para mim provavelmente não será e não acontecerá. Se tenho alguma vontade de ter filhos não é para garantir minha descendência, para me perpetuar como muitos pensam, mas, simplesmente para não me privar de uma experiência que todos dizem ser tão intensa, inexplicável, só quem tem um serzinho saído de si para saber.
Não percebi o tempo passar ali naquele lago, ele parou para eu olhar para uma vida que não era a minha. Senti vontade de caminhar um pouco para ver se ele voltava a fluir na velocidade certa, mas a noite já vinha chegando indicando que tudo voltara ao normal e com grande expectativa fui assistir o Nativitaten e com toda certeza é o melhor espetáculo do Natal Luz. Foi assim que tive minha segunda experiência atemporal num mesmo dia diante de um lago, dessa vez no Lago Joaquina Rita Bier.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Episódio 6: Tentando Viver uma Vida Diferente, Mas Possível

Estava em transe, girando em torno de mim mesma, fleches aleatórios de lembranças passavam pela minha cabeça e se fundiam aos meus rodopios, senti os flocos de neve cair no meu rosto, então abri os olhos. Queria que aquela sensação permanecesse impregnada em mim por mais tempo, uma mistura de adoração pela vida, uma felicidade infantil por me sentir viva e um sentimento de que nada faria com que voltasse a ficar triste de novo.
Sabia que essa euforia seria fugaz como a espuma que caía do céu, esguichada por uma máquina para parecer neve, uma fantasia que se desmanchava no ar e eu fui voltando a mim. Havia acabado de assistir o Grande Desfile de Natal, estou me sentindo uma boba por pensar que uma estória criada para ser contada para crianças mexe comigo deste modo, não só comigo, mas vi tantos adultos emotivos a minha volta, num transe coletivo. Mas penso, também, que só quem não consegue se lembrar da criança que um dia foi não se emociona. É um mundo de faz de conta, que sabemos não existir, estimulado pelo nosso modelo econômico para girar o capital, mas aqui é tão real que fadas aladas brilhantes flutuam como a Sininho, dos livros que li na infância, desfilando diante de nossos olhos, Soldadinhos de Chumbo marcham enfileirados em perfeita sincronia, bonecos de neve fantasiados de Natal giram sorridentes e é até possível visitar a casa de Noel.
Talvez não seja crime usar o Natal de Gramado e nos deixar enganar pela imaginação, pelo menos uma vez na vida, esquecermos o quão dura ela é e de nossos problemas. Fugir do que somos e sermos diferentes, com emoções fluidas, infantis sim, mas simples como deveria ser a vida. Não só o espírito natalino aqui nos remete a devaneios, é a cidade toda, o charme das construções, as lojas de chocolate enfileiradas na avenida principal, os restaurantes deliciosos, o vinho e o clima carregado por uma felicidade simplória.
Nessa primeira noite, do que talvez seja minha nova vida, fui dormir em paz, impregnada por todas essas sensações que experimentei. Acordei disposta a explorar cada cantinho desse lugar, cada vão escuro das minhas emoções e deixar me levar sem vergonha de me sentir tola por me permitir agir como se fosse uma criança.
Na manhã seguinte um belo café da manhã colonial me esperava, enchia não só o estômago, mas saciava a alma parecendo um carinho de avó. Tornei a ligar para o Tom, começava a ficar preocupada, ele não atendia. Tentei não pensar nisso e fui passar o dia em Canela.
Azul, muitas flores azuis, aqui é a terra das hortênsias, para todos os lados onde se olha lá estão elas, principalmente quando se vai ao teleférico com suas cadeirinhas voadoras flutuando sobre um caminho das tais flores azuis e do outro lado do vale a Cascata do Caracol. Por fim uma passada pela Catedral de Pedra e cheguei de volta a Gramado para ver o acendimento das luzes da grande árvore localizada no ponto central da cidade. É um frisson, quando das trevas das ruas escuras, tudo se ilumina num espetáculo de luzes coloridas e mais uma noite de fantasias estava começando, afinal o espírito natalino tomou conta da cidade.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Episódio 5: Tentando Aproveitar as Férias

Combinei tudo direitinho com o Tom para que não houvesse desencontro. Ele queria que ficasse em sua casa, mas achei muita ousadia. Decidi ficar num hotel, o que contribuía para não perder a minha liberdade. Na verdade achei estranha sua insistência em relação a isto, não acho que tenha intimidade o suficiente para me hospedar lá e ele pelo contrário pensava que sim.
Comprei as passagens e chegaria num horário em que ele não poderia me receber no aeroporto, não tinha problemas, preferia mesmo me instalar sozinha e até fazer minha primeira expedição pela cidade por conta própria. A noite, finalmente, nos conheceríamos num jantar em uma das famosas churrascarias de Porto Alegre.
Não sei o que me deu para mudar de ideia desta forma, queria conhecer o Tom, tinha muita curiosidade, mas quando me vi ali de pé no saguão do aeroporto Salgado Filho me achei ridícula indo encontrar um amigo virtual, talvez até alguém que viesse a ter algum relacionamento. Até então, para mim, este negócio de conhecer gente pela internet era para outras pessoas, gosto mesmo é de fazer amigos do modo tradicional. Pertenço a uma geração anterior a esta que vive uma vida virtual, ainda prefiro as coisas à moda antiga e neste momento muitas inseguranças passavam pela minha cabeça. Será que gostaria dele, que seria uma pessoa agradável, bonito, honesta, ou era um aproveitador? Se eu não gostasse dele por um motivo qualquer estaria pressa à sua convivência pelos próximos dias, ao menos fui sensata de não ter aceitado me hospedar em sua casa. Mas, isso não me desobrigaria de sua presença.
A situação seria muito pior se ele forçasse algum tipo de relacionamento, ainda mais porque fui eu quem veio atrás dele, seria o mais lógico. Então, me vi sentada no aeroporto pensando o que fazer, quase peguei o primeiro voo de volta. Por outro lado se não arriscasse poderia perder a oportunidade de conhecer uma pessoa maravilhosa, ou alguém que viesse a ser um bom amigo e afinal já estava ali. Além do mais o mundo estava mudado, a comunicação virtual é o novo modo das pessoas se relacionarem. É só uma nova tecnologia servido de ponte para os mesmos velhos relacionamentos humanos. Eu já dei até um passo na direção desse novo mundo, estou até escrevendo este blog, me expondo e aos meus sentimentos.
Então fui procurar um taxi e encontrei um ônibus que estava indo para Gramado, alguma coisa naquele instante me disse para não ir me encontrar com o Tom, algo me atraía em outra direção, por isso entrei no ônibus. Depois pensei que estava completamente perdida, querendo ganhar o mundo, mas sem saber para onde ir. Me encontrava totalmente sem destino. Já foi uma loucura sair do Rio para vir atrás de um completo desconhecido e pior ainda entrar em um ônibus para Gramado, ainda mais nesta época do ano que os hotéis devem estar completamente lotados e eu não teria onde ficar.
Quando o ônibus parou, achei ter chegado a Gramado, mas na verdade entrei num conto de Natal. Me vi na pequena rodoviária, com a mala na mão sem saber o que fazer. De qualquer modo não pretendia voltar para Porto Alegre, a solução era torcer para que houvesse algum quarto na cidade disponível, o que seria praticamente impossível. Comecei minha difícil missão perguntando a algumas pessoas que ali estavam e todos me desanimavam. Consegui um catálogo e comecei a discar aleatoriamente para os hotéis. Já havia passado umas boas 3 horas desde que pusera os pés na cidade de Noel quando alguém do outro lado da linha me disse que havia acabado de cancelar uma reserva e havia vaga para quase uma semana, era menos que a quantidade de dias que precisava até a data de minha passagem de volta para o Rio, mas, por hora, servia. Resolvido o primeiro problema. Agora era ligar para o Tom e inventar uma boa desculpa.
Nem precisei da desculpa que arranjei, que convenhamos, achei meio fajuta. Ele simplesmente não me atendeu! Não entendi nada, havíamos combinado que assim que estivesse chegado e me instalado no hotel ligaria para ele para combinarmos a que horas iríamos jantar. Será que se esqueceu? Estaria com algum problema? Continuei tentando, mas nem sinal dele. Tentaria novamente no dia seguinte. A ordem agora era aproveitar esta cidade linda e a noite adorável que fazia!

domingo, 9 de dezembro de 2012

Episódio 4: Uma Difícil Decisão, Um Telefonema e Dois convites

Até que este fim de semestre foi melhor do que esperava, os alunos não me deram tanto trabalho, ou talvez eu tenha sido condescendente e todos conseguiram passar. De todo modo, me dei por satisfeita, devido a tudo que aconteceu e da reviravolta que está em curso, pelo menos as obrigações foram cumpridas do melhor modo possível. Tendo resolvido isso, me enchi de coragem e fui conversar com o diretor e cercada de muitas dúvidas pedi demissão.
Não foi aceita. O diretor disse que me admirava muito, tinha planos para mim e contava comigo para substituir uma das professoras que acabou de entrar de licença maternidade. Eu que pretendia ficar com o tempo totalmente livre para seguir outro rumo na minha vida acabei ainda mais ocupada. Meu senso de responsabilidade falou mais alto do que meu espírito que ansiava pela liberdade. As dúvidas que me cercavam e me interrogavam se essa demissão era a coisa certa a se fazer também contribuíram pela decisão do fico, mas o preveni, que seria apenas por mais um semestre e que as providências para me substituir fossem tomadas.
No fundo fiquei aliviada, ganhei mais tempo para pensar a respeito de minha decisão, me agarrando no porto seguro. Caso o medo vencesse o meu desejo de seguir novos rumos, poderia ficar o dito pelo não dito e continuaria minha vida como convinha ser, na segurança do meu mundo já de muito conhecido e me escondendo na desculpa de que afinal é o meu trabalho.
Logo após o dia do fico recebi um telefonema, com o turbilhão pelo qual passava minha vida, nem me lembrava que andei distribuindo meu currículo por aí na tentativa de uma vaga que fazia muito mais sentido na vida que agora queria deixar para trás. Era um convite para escrever uma coluna mensal numa revista de circulação nacional. Pensei um pouco e resolvi aceitar, esperei tanto tempo por uma oportunidade como esta que recusá-la agora seria um erro do qual poderia me arrepender. Agora, tenho ainda mais trabalho.
Resolvi deixar as questões relativas ao meu trabalho de lado, afinal estava de férias, merecidas. Precisava relaxar e colocar as ideias no lugar, talvez esse pedido de demissão tenha sido mesmo precipitado. Resolvi me abrir com alguém. A pessoa escolhida não foi nenhum amigo, ninguém do meu convívio, essas pessoas já tem um modo próprio de me ver e seus conselhos provavelmente seriam que deixasse mesmo tudo como está, não estão acostumadas a me ver tomada por arroubos como este. Contei a Tom que havia pedido demissão porque pretendia passar um ano viajando. Estava cansada de estar presa a um só lugar.
Quando contei, ele ficou chocado, disse que estava cometendo um erro, que somente sonhadores irresponsáveis, vivem deste modo, jogam tudo que conquistaram para o alto. “É difícil encontrar um lugar na sociedade, uma posição”, me disse, “você tem o seu e pelo que sei gosta dele”. Falou para eu pensar o quão privilegiada sou em comparação às outras pessoas que habitam este planeta, em quantas pessoas não gostam de seus empregos, ganham mal e não conseguem pagar suas contas. Disse que eu estava me saindo muito bem na minha vida, que talvez estivesse um pouco deprimida, ou triste, mas que ia passar e que posso viajar sem ter de abrir mão do meu emprego, muito pelo contrário, ele é que me permitiria viajar mais.
A reação dele acabou sendo o que esperava das outras pessoas, mas expliquei a ele que precisava de tempo para mudar de cultura, ver coisas novas, ver como outras pessoas veem a vida, experimentar coisas diferentes. Não queria ir a outros lugares numa viagem de turismo, com data para voltar, gostaria de ter tempo para sentir, sem pressa, o outro lugar, ficar o tempo que achasse necessário e não o que minha passagem de volta dissesse que era o suficiente. Pensei que essa experiência poderia mudar um pouco meu modo de ver a vida, isso é bom, sair do meu lugar comum, da minha vidinha do dia a dia, que me parece tão sem propósito, que está se tornando insuportável e me sufocando. Reconheço que não levo uma vida muito ruim, só não tem nenhum sentido.
Nesse ponto ele começou a concordar comigo, não se tem a eternidade pela frente e as vezes é preciso arriscar, por melhor que seja nossa vida, ela pode ser diferente sim e não precisamos passar a vida toda no mesmo lugar, fazendo sempre as mesmas coisas, se é para mudar é bom que seja quando ainda há tempo para isso. Ele me confessou que as vezes tem vontade de fazer o mesmo e que acredita que muita gente seja assim, pelo menos as que tem a oportunidade de sonhar, porque boa parte está mesmo preocupada em sobreviver. Muitas pessoas não se satisfazem em ganhar o pão, sustentar a família, ter um trabalho e levá-lo à cabo com honestidade, não, me parece que as pessoas querem mais.
Depois expliquei a ele que isso tudo acabou não passando de um pensamento e de uma atitude insólita, o diretor não havia aceitado a demissão e ainda me deu mais trabalho para o próximo semestre. Ele achou graça, a gente divaga muito, mas no fim o caminho mais prático e seguro geralmente saem vencedores. Falou que eu deveria aproveitar que estava de férias e viajar, iria voltar renovada e ver as coisas com mais clareza, depois me convidou para ir à Porto Alegre, assim poderíamos nos conhecer pessoalmente. Como não fui para Penedo, aceitei o convite.

domingo, 25 de novembro de 2012

Episódio 3: Uma Pilha de Provas Para Corrigir

Sábado e o dia se arrastou, já eram 22 horas e 56 minutos, a televisão estava ligada num volume quase inaudível, ouvia apenas aquelas gargalhadas falsas do programa de humor. Na minha frente a caneca com o chá já quase frio e uma pilha de provas para corrigir.

Mais cedo, uma amiga havia me telefonado porque estava interessadíssima em ir ao teatro. A peça estava muito bem comentada, se tratava de um monólogo no qual a personagem é uma balzaquiana dramatizando sobre sua vida de solteira e a busca por um namorado, pois já está passando o tempo para ela. Recusei acompanhá-la, essa peça já conheço de cor e salteado, não preciso ir ao teatro para saber o script.

Além do mais, já tinha um outro compromisso. O final do período lá na faculdade está chegando, na segunda termina o prazo para entregar as notas das provas dos meus alunos e os preparativos para as últimas provas do semestre estão em curso. Como andava muito desorganizada nos últimos tempos, não havia corrigido nenhuma ainda e precisava cumprir este trabalho neste fim de semana.

O problema é que sábado à noite fica difícil se concentrar para este tipo de tarefa e parece que o mundo conspira contra. Meu olhar estava perdido, vasculhando a sala e só se fixou quando encontrou a jangadinha, feita de casca de coco, onde se pode ler “Lembrança de Guarapari”, comprada na excursão das últimas férias de verão. Isso me faz lembrar da proposta para as férias que vem chegando: Penedo. O grupinho fixo de professores, que organiza estas viagens, apareceu há duas semanas com tal proposta, a qual recusei. Simplesmente não dá! Definitivamente, não é isto que quero para minha vida.

Até me deparar com aquele souvenir, que não sei o que passou pela minha cabeça quando comprei uma coisa tão cafona, estava pensando que não é isso que quero para minha vida. Mas, afinal, o que quero mesmo? Foi o que desviou minha atenção da pilha de provas. Na quarta feira, em Ipanema, me sentia tão decidida e agora me encontro novamente confusa, sei o que quero, mas a sensação é de que o meu desejo está tão distante de mim. Acho que o que me prende, me amarra e me indefine é a inércia que devo vencer para mudar.

Na tela do computador, ligado num canto da sala, vi que piscava uma janela. Fui ver quem era. Só podia ser o Tom, meu amigo virtual de Porto Alegre. Estava me perguntando se não ia sair. Menti. Disse que estava terminando de me arrumar e só faltava colocar um salto e a maquiagem para ir a uma festa. O Tom é meio esnobe, adora contar que faz e acontece, que é articulado e não dá conta de tantos convites que recebe. Jamais confessaria a ele que havia recusado o convite para uma peça que espelha minha vida para ficar em casa corrigindo uma pilha de provas num sábado à noite.

Voltei para as provas: “A Conferencia das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas ou COP são reuniões que acontecem anualmente...”. Mas quando foi que comprei esta jangadinha? Ah, foi naquele dia que almoçamos uma moqueca Capixaba em Meaipe e depois fomos à feirinha de artesanato de Guarapari. Que excursão! Achei que estava num treinamento para a terceira idade, se bem que não, eles são bem mais animados. Nem na boate da moda quiseram ir. Todo mundo para cama cedo, pra chegar com o nascer do sol do dia seguinte na praia e passar areia preta no corpo para curar os males. Onde fui me meter!

Não foi isso que pensei para minha vida! Penedo, estou fora! Mas... o que vou fazer nas minhas férias? Nenhum plano. A verdade é que não tenho plano algum para o futuro, nem o próximo e nem para longo prazo. Sei o que quero, mas não sei ainda como vou viabilizar o meu sonho. A que se resumiu a minha vida?... Nem tudo pode ser tão ruim que não possa piorar, começou a tocar uma música alta lá fora, com certeza alguma festa. Eu que já não estou conseguindo me concentrar, tudo conspira contra, ficou ainda mais difícil de terminar esta pilha de provas para corrigir.

Pior, passei o dia todo, fez um sol como só o Rio tem, trancada em casa, rodando em torno da minha obrigação e não consegui nem começar o trabalho. Agora a música aumentou e estou escutando as vozes das pessoas animadíssimas, quanto tempo faz que não me convidam para uma festa? Nem me lembro da última que fui, deve ter sido aquele Natal na escola de dança... e consigo rir de mim mesma!

Amanhã vou jogar essa jangadinha feita de coco fora, preciso mesmo arrumar a casa. Guarapari é tão bonito! Tenho ótimas lembranças de um verão que estive lá com meus pais quando era pequena, achei que a viagem, com os professores, seria boa. De todo modo a culpa não é deles, me pareceu que se divertiram muito, o problema era comigo. Será que o Tom foi a alguma festa? Como será que ele é? Até hoje só vi uma foto dele, mas não deu para ter muita noção, quem sabe um dia a gente não se conhece.

No domingo não teve outro remédio, me obriguei a concluir a tarefa que mal consegui iniciar no dia anterior. O dia todo debruçada sobre as provas e consegui que todos os alunos tivessem suas notas. Tarefa cumprida merecia um prêmio, além das férias sem planos por vir, fui comer uma pizza num domingo a noite depois de ir, desacompanhada, como sempre, ao cinema assistir a última estreia para que meu fim de semana não fosse inteiramente passado dentro de casa.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Episódio 2: De Volta à Rotina

As aulas de ballet recomeçaram, as meninas podem continuar dançando e os deboulés* vão ditando o ritmo do mundo. Eu, como não poderia ser diferente, voltei a dar minhas aulas, mais um ano se passou, seu fim está próximo e como sempre a mesma correria. Nessa confusão que invadiu minha vida nem tinha notado que a cidade já está ficando toda iluminada e árvores decoradas surgem por toda parte.

Nem sei em qual velocidade o tempo vem se movendo, vivo como se estivesse fora do meu corpo, assistindo minha vida como expectadora, impassível, neste momento sou um fantoche. Sei para onde vou, o que devo fazer, consigo dar minhas aulas, comer, conversar, mas é como se estivesse vazia, como se meus sentimentos tivessem se esvaído. Tento sentir algo, tristeza, vontade, sabor, nada acontece, não sei o que eu quero, simplesmente vou seguindo meu curso. Se eu parasse e pensasse: “o que mais gostaria de fazer agora, se pudesse largar tudo e fazer uma coisa que quisesse muito, independentemente do que fosse, o que eu faria”?

Uma angústia de indecisão se abateria sobre mim, eu não sei o que quero, para onde estou indo e onde quero chegar. Simplesmente é impossível tomar qualquer decisão neste estado melancólico em que me encontro, então sigo fazendo o que devo fazer e cumprindo minhas obrigações da melhor forma possível, até que esse nada que se abateu sobre mim passe e tudo que quero agora e é voltar a sentir.

Sozinha em casa tento colocar a cabeça no lugar, sei que preciso fazer algo por mim, sei que este momento pelo qual passo é um período de mudanças, não dá mais para viver como sempre vivi. Essa mudança que está em curso não me levará onde quero ir por si, é preciso que eu mude, mas para isso tenho que decidir o que quero para, então, encontrar uma força interna e poder colocar em curso a minha nova vida, isso só será possível com um esforço imenso. Tudo gira em torno de mim, de minha capacidade de me transformar, de me recriar, de ser perseverante, uma luta diária contra o que sou agora, para me transfigurar numa nova pessoa, a que quero ser, a que preciso ser, desesperadamente diferente do que sou hoje. Preciso de uma nova vida. É muito difícil!

Por mais no fundo do poço que possamos parecer estar, nada é tão escuro e tão fundo que não possa se iluminar com um dia de sol do Rio de Janeiro. Quando vi aquela quarta-feira perfeita de sol, larguei tudo, procurei o biquíni na gaveta e fui, como sob efeito hipnótico, de óculo, chapéu, Havaianas e maquiagem, para a praia de Ipanema. Minhas energias começaram a voltar e trouxe consigo meus sentimentos de volta, agora já era capaz de tomar algumas decisões.

Deitada à beira mar, sentindo o calor do sol que me bronzeava, o barulho das ondas espumando bem perto e os ambulantes anunciando seus produtos com vozes distantes, abafadas pela algazarra feita pelos meus pensamentos. Então, me dei conta de que sei o quero, sei o que fazer de minha vida, disso não tenho dúvidas, a verdadeira questão é se tenho coragem para tanto. Deixar tudo que sempre fui não é fácil!

Sei que nada pode acontecer, então continuaria vivendo, até bem demais, como sempre vivi, afinal, meu desejo é uma ousadia e tanto! Mas sei que este é um momento decisivo, se não fizer com minha vida o que quero depois pode ser tarde demais, o tempo é muito cruel e antes que passe para mim, penso que é hora de viver mais intensamente. Ainda me permito um tempo para pensar e amadurecer a ideia, preciso encerrar o semestre e arcar com meus compromissos assumidos. Porém, tenho uma tarefa para minha nova vida, que surge sob este sol de Ipanema, aproveitar as festas de fim de ano e as férias que se anunciam.

  
* Significa rolar, é nome de um passo de ballet. São pequenos tours, em geral feitos em séries, em que o bailarino executa pequenas voltas, transferindo o peso do corpo de uma perna para outra.


sábado, 17 de novembro de 2012

Episódio 1: Vende-se Uma Escola de Ballet

Os dias seguem, vivo agora numa tentativa de voltar à normalidade, mas é impossível! Terei que descobrir o que é a normalidade agora, é muito duro arrumar a casa, sua presença está em tudo. O arranjo de flores que ela trouxe da floricultura murcha em cima da mesa e não tenho coragem para me desfazer dele. As roupas no armário aguardam uma nova dona, o livro de receitas está aberto na cozinha na página com as instruções para o bolo que não será mais assado, o marcador ainda indica de onde deve-se continuar a leitura do romance que nunca chegará ao final, cada cantinho da casa guarda um pouco de alguma atividade interrompida que não se completará. A sala de aula de dança está vazia, a sapatilha jogada num canto e as meninas ainda não sabem dançar toda a coreografia da apresentação do fim do ano.

Essa é a grande questão, pensar no que farei com a escola de dança, nela está contida a essência da concretização de um sonho de uma vida, fechá-la significa a interrupção definitiva assim como todo o resto que também se cessou, extinguindo de vez o sonho, o único que foi possível. Tenho muita pena de ter de fechá-la, mas eu não poderia assumi-la, o meu sonho é outro, meu trabalho é outro, apesar de fazer parte de mim, da minha história, não está no meu presente nem nos meus planos de vida. Era difícil, mas teria de fazê-lo, talvez como o encerramento de um ciclo, um rito de passagem, um marco para a nova vida, como ponte de partida para encontrar a minha essência e ir de encontro com minha existência verdadeira.

Eu queria vendê-la de porteira fechada, mas encontrar um comprador era o problema e tinha de ser rápido porque se não perderia seu maior valor, as alunas. Se isso não fosse possível a fecharia e colocaria suas dependências à venda, já tinha até uma proposta muito boa de uma construtora que quer colocar a casa no chão. De qualquer modo, precisava do dinheiro para organizar minha nova vida e por em prática a decisão que poderia transformá-la completamente, viver o sonho que sempre tive, a oferta era irrecusável!

Tive aulas de ballet naquelas salas, cresci ali dentro, ali fui muito feliz, algumas professoras são minhas amigas, quase irmãs, tantos funcionários antigos e fechar a firma, além do trabalho, me doía. Estava nesse impasse quando a solução apareceu: três das professoras, que acabariam por ficar sem emprego, me propuseram sociedade. Continuariam tocando a escola e me pagando um pró-labore até que pudessem comprar a firma. Perfeito!

O sonho não acabou, a coreografia continuaria sendo ensinada, as alunas teriam sua apresentação de fim de ano, todos continuariam em seus empregos e minha vida mais fácil com menos uma decisão a tomar. A vida precisa continuar o seu curso, afinal foi mais um dia que se passou. Ah, esse ritmo frenético do tempo que não para e não espera pela gente!

A vida passa por mudanças todos os dias, umas mais bruscas que outras, a maioria não percebemos e vão sorrateiramente transformando tudo a nossa volta, outras invadem nossa vida e a deixam de cabeça para baixo, só nos resta reagir do melhor modo que pudermos. A gente segue em frente, mas ainda ficamos presos ao passado, a quem fomos e é isso que somos.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Episódio de Origem – Parte 3

Talvez esses pensamentos sejam só a expressão da tristeza por a ter perdido, por ter ficado só. Minha mãe teve uma vida muito boa! Sua infância foi feliz, teve liberdade de brincar numa cidade tranqüila e depois, como para completar sua formação, se mudou para uma cidade grande, numa época que as coisas eram menos difíceis por aqui. Se formou numa boa universidade e trabalhava com o que gostava. Sim, ela foi uma bailarina!

Papai era um homem de muito caráter, sempre correto e companheiro. Não sei se o amor deles foi arrebatador, mas foi uma relação tranqüila, sem sobressaltos e acima de tudo se davam muito bem. Tiveram seus desentendimentos, muitos, quem não os tem? Mas, no todo, viveram uma vida boa!

Ela pode não ter sido uma bailarina profissional, mas com toda certeza contribuiu para trazer arte e beleza para o mundo, ou pelo menos para quem estava a sua volta. Contribuiu para a educação daquelas meninas e para a formação de seus sonhos. Sempre foi muito talentosa, não só para a dança, mas em tudo a que se propunha a fazer. Lembro-me que as festas de Natal aqui em casa sempre foram muito acolhedoras, mas a família era pequena e ela tinha um desejo de fazer uma grande festa. Então, quando eu já estava um pouco crescida, ia entrar na adolescência, fez a Grande Festa Natalina na Escola de Dança. A festa parecia saída de um conto de Natal, vieram muitas famílias das alunas, seus pais, irmãos, tios, primos, avós e todos que puderam vir. Minha mãe montou uma coreografia encenando o nascimento do menino Jesus, a festa foi completa e por muitos anos ainda se falava nela. Foi realmente memorável!

Acho que esta festa foi o marco do final da minha infância, depois vieram os conflitos da adolescência, quando começamos a perder a paz, a inocência infantil, o descompromisso com a vida e começamos a crescer, nos tornar adultos e passamos a sonhar menos, quando entramos nessa vida levada pelos dias.

Pois agora, nos próximos dias devo passar por uma nova transformação, daqui para frente minha vida será totalmente diferente do que sempre foi. Esse acontecimento é daqueles que transformam nossa vida para sempre, não tem mais como voltar atrás. Agora estou só e de certo modo minha vida apenas me pertence e o que fizer dela implicará na construção de um novo caráter.

Trazemos aderido aos nossos valores o aprendizado com nossos pais, os princípios que eles conseguiram nos ensinar, o modo como viam a vida, suas noções de certo e errado. De alguma forma nossos atos são realizados sob a visão de um observador implacável, por mais que sejamos senhores de nossas vidas, em tudo que fazemos, conscientes ou não, consideramos o que nossos pais pensariam a respeito, como se fossem observadores constante de nossos atos. Uma vez sozinhos, sem suas presenças físicas, de algum modo estamos livres para fazermos diferente. Aqueles que poderiam nos criticar não estão mais aqui, mesmo que carreguemos para todo sempre os valores ensinados que ficam entranhados na alma, formando a essência de quem somos, achamos que agora podemos seguir por novos caminhos, traçando nosso próprio destino.

Penso nisso tudo, porque se minha vida será diferente agora, talvez consiga ter algum controle sobre isso e escolher o que quero de agora em diante sem ter que prestar contas tão rigorosas a observadores tão exigentes, que na maior parte do tempo não são tão exigentes assim e estão mesmo aqui para nos apoiar. Mas, talvez, agora consiga fazer dela um pouco do que gostaria que fosse, me arriscar mais sem ter que ouvir aquele eterno conselho para ter juízo. Liberdade? Não estou, de modo algum, apreciando estar só ou a morte ter chegado a quem tanto amei, não... que amo no presente, o amor continua... Não estou gostando dessa solidão tão recente, se digo que posso ser diferente, se penso que não serei mais julgada por quem tanto tive medo de ser condenada é porque quero arriscar, experimentar ser diferente para viver a minha vida de verdade. Não culpo ninguém a não ser a mim, não tem nada haver com meus pais e sim comigo mesma, com a busca de quem sou e do que realmente quero.

No entanto, é muito difícil. Difícil não só viver de verdade, mas não ter mais o porto seguro, o carinho, o colo, o ponto de equilíbrio, a pessoa que se pode contar acima de tudo, que estará do seu lado independentemente do seu caráter, que te julgará, mas não te abandonará; seguirá ao seu lado para que não esteja só nas dificuldades e com quem partilhará as conquistas, a felicidade e o passar dos dias, independentemente do que escolha ser.

Pois aqui estou, não sei o que será de mim, se o futuro já é incerto, o meu está ainda mais nebuloso, pois quero ir em busca da minha vida, a de verdade, não sei até onde chegarei, mas compartilharei aqui a minha busca, registrarei o porvir. O que será que me espera?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Episódio de Origem – Parte 2

Fiquei pensando em tudo enquanto me despedia de minha mãe, Ivete Dias, ou como carinhosamente a chamávamos Ivy. Lembrei-me da Alicia que fui quando criança, vestida com meu primeiro tutu de ballet aprendendo a ser cisne, mamãe corrigindo meus passos e ensinando a delicadeza dos movimentos das mãos. Eu nunca fui bailarina, tentava, mas não podia ser porque não dançava com a alma, queria, pelo menos, dançar com o corpo, mas sem a alma junto o corpo não consegue.

Minha mãe não, ela sim era uma bailarina, na alma. Na vida que vivia era simplesmente tia Ivy, a professora de ballet da escolinha daqui do bairro que tentava despertar nas meninas um dom que nela havia ficado aprisionado sem nunca ter tido a oportunidade de ganhar vida.

Ivete foi criança numa cidade do interior do estado, lá levava uma vida muito boa, mas as oportunidades eram escassas. Foi lá que descobriu a dança numa escolinha pequena de interior, um passatempo para as meninas das famílias mais destacadas da cidade. Foi lá que começou a traçar os planos de sua vida, esboçar a certeza de que seu futuro seria nos palcos, dividido com seu partner num dueto do Pas de Deux, dançando o amor de uma obra de Tchaikovsky.

Pouco antes de completar seus 17 anos seu pai foi transferido para o Rio de Janeiro, mas já era tarde. Foi quando mamãe se conscientizou de que sua escola de dança era apenas uma escolinha numa cidade de interior que não formava bailarinas e para ela já era tarde. Não aprendera ballet o suficiente para dançar o seu Pas de Deux e aquela altura de sua vida já não havia mais tempo de recomeçar, pois o tempo de iniciar a ser bailarina profissional já havia passado.

O que aconteceu depois não importa: ela fez faculdade de dança e abriu a escolinha onde havia aulas para amadores, mas fez questão de que tivesse classes profissionalizantes para ter o cuidado de não frustrar os sonhos de ninguém. Foi isso que fez a sua vida toda. O seu verdadeiro Pas de Deux foi com o meu pai que sempre a acompanhava ao teatro, mas na platéia quando vinha uma companhia russa se apresentar no Municipal. Os cisnes voavam nos palcos enquanto a alma de minha mãe estava aprisionada para sempre.

Era nisso que pensava hoje quando me despedia dela. Não teve um motivo para minha mãe não ter dançado nos palcos, não foi porque ela não nasceu na cidade grande, não foi porque não estudou numa boa escola, não foi porque não era russa, não foi porque não se dedicou, não lhe faltou paixão, não faltou o sonho, os projetos, não faltou vontade, não faltou disciplina, não faltou o dom...

O que explica então? Foram o passar dos dias, a ocupação com as coisas mais imediatas, aquelas que devem ser feitas agora, a vida que a gente leva. O sonho, o desejo acaba sendo um projeto para o futuro não tem nada haver com o hoje, com o que estamos fazendo agora, pensamos que só vamos vivê-lo no futuro e quando o futuro chegar eles serão realizados. Mas não é assim, temos que nos preparar para quando esse futuro chegar, se não nunca estaremos prontos e no futuro, quando ele for presente, já será tarde, veremos que passou por nós sem nos darmos conta, então quando percebermos já será passado. Foi isso que aconteceu, a gente pensa que as coisas se arranjarão, que a história de nossa vida será completa. Pois não será.

Nunca é completa, nunca é o suficiente, nunca estaremos em paz, nunca chegaremos a lugar algum, nunca nos completaremos, se não deixa de ser vida, perde o sentido e não há um lugar a se chegar. Existe somente o hoje, o que estamos fazendo agora, cada vez nos sobra menos tempo para repetir o agora e o que eu quero agora? Não interessa o que eu quero no futuro, o que importa é o que quero agora, não vou começar minha vida no futuro, estou vivendo é o agora e é tudo que tenho. Se não começar neste instante e não tiver disciplina todos os dias para viver plenamente, ou ao menos tentar, serei levada pelos dias e mais um virá, seguido do outro, mais um ano, mais ocupações, mais o passar do tempo até que um dia chegue ao fim. Chegou para minha mãe.

E se o meu fim chegasse agora? Poderia dizer que tive uma vida ou que apenas vivi uma seqüência de dias sucessivos, um depois do outro que somados formam a vida que levei, ou foi ela que me levou sem nunca eu ter conhecido minha essência?

domingo, 28 de outubro de 2012

Episódio de Origem – Parte 1

Estou só, agora é concreto. Já era só antes e agora definitivamente. O que me resta? Escrever?

Sempre tive esta vontade, de ser escritora, mas isso toma tempo e é necessária muita dedicação, mais transpiração do que inspiração. Sim, é preciso ter o dom, mas sem a disciplina as páginas em branco não são preenchidas.

É claro que escrevo, meu nome é Alicia Dias e tenho 34 anos, sou professora de Relações Internacionais numa faculdade e minha carreira em si exige que escreva. Não me contento em apenas cumprir minha carga horária, gosto de minha profissão, gosto do meu trabalho, por isso faço pesquisa e publico muito. Tenho até dois livros escritos e publicados.

Mas não é disso que estou falando. Queria escrever à alma das pessoas, palavras que quem lesse se sentisse tocado, que inspirasse, quem sabe romances, ou tragédias. Por que não um drama? Talvez virasse roteiro de um filme e eu até tivesse uma noite de autógrafos, desejar é possível, o difícil é concretizar. As vezes me pego pensando nas histórias que vivem dentro de mim. Sim, tenho-as prontas, só preciso da transpiração e disciplina na frente do computador, mas depois desanimo. Também penso que o mais difícil seria encontrar quem as lesse. Histórias sem leitores são como histórias não escritas, elas não existem, não ganham vida, são como se ainda apenas existissem dentro de nossa mente.

Tenho que me decidir, então resolvi agora experimentar. A vida é muito curta, a gente se envolve nos problemas e questões do dia a dia e o resto, o que é importante, o que faz a vida valer a pena, acaba ficando de lado, para depois, então um dia a gente se dá conta de que a vida passou e nos perguntamos: o que fizemos? Fazemos uma retrospectiva dos planos que tivemos para nós mesmos, do que sonhamos viver e descobrimos que tudo foi levado pela dinâmica dos dias, do passar dos dias, das tarefas a serem feitas, dos compromissos, das relações sociais, das obrigações, dos estudos, do trabalho, mas afinal isso é a vida: o fluxo interminável dos dias, um depois do outro. Mas e os sonhos? Os de verdade, os nossos desejos mais profundos, aquela vontade de auto-realização, de se sentir gente, de fazer alguma coisa e no final ter a sensação de que a vida realmente valeu. De dizer: sim é para isso que vivemos! De realizar e se sentir plenos, mesmo que no dia seguinte passe e nos vemos de novo envoltos na rotina dos dias buscando novamente a plenitude.

Não, não vivemos, não fizemos nada disso, não deu tempo porque estávamos ocupados demais levando a vida, fazendo todas as outras coisas que fazemos, que tivemos que fazer e por isso não deu tempo de ter a vida que valesse, nossa vida para valer e quando descobrimos já é tarde, ou não. Não sei.

Isso é só uma inquietação minha. Não sei se todas as pessoas são assim, pensam deste modo, que acreditam nesse fluxo da vida, que vai nos levando: nós trabalhamos, temos férias, cumprimos nossas obrigações, criamos nossos filhos, comemoramos os aniversários, mais um ano passa, trocamos presentes no Natal, celebramos a virada de mais um ano, vem um novo e sonhamos com os novos planos, o que de novo podemos fazer, ou com os velhos não realizados, os projetos para a nova vida que acreditamos estar começando e, então, vivemos mais um ano, um depois do outro. As pessoas são assim, muitas delas, e a vida é isso. Mas para mim não é assim, não consigo que seja assim, penso somente que estou ocupada com todas essas coisas e que minha vida, a de verdade, a que deveria ser, ficou de lado, esperando que eu tenha tempo para vivê-la, para fazer minhas realizações, tudo que foi planejado. Mas quando terei tempo, se mais um ano vem e com eles as obrigações, o trabalho a realizar, as contas para pagar, as compras à fazer, a festa do Natal para preparar e estourar os fogos da virada? Não dá tempo!

Escrever está nessa dimensão da vida, na que eu não consigo viver, na que não tenho tempo, na que sinto que vai me engrandecer e me fazer pensar que a vida valeu a pena. Por isso me dou conta que preciso me expressar, portanto agora decido que darei vida ao que tenho a escrever e conseguindo que pelo menos uma pessoa leia, quem sabe um amigo bem próximo, não sei, mas o primeiro passo é escrever. Isso só depende de mim.

O difícil é olhar a folha em branco e pensar no tanto de trabalho pela frente, mas será um trabalho com prazer, que vai me preencher, me engrandecer e fazer a vida valer realmente a pena. Será a minha vida de verdade. As histórias já vivem dentro de mim, preciso dar-lhes vida, deixá-las seguir seu curso e entregá-las ao mundo, o seu destino. Seja lá qual ele for.

Quando penso nisso tudo, que vivo de fora da vida que queria para mim, da vida que deveria ser a minha, aquela em que os meus sonhos e projetos são executados, aqueles que pelo qual realmente vale uma vida, que vale viver, acredito que não sou eu que estou aqui vivendo os meus dias e sim uma personagem qualquer que estou representando. Essa que acorda todo dia e anda por aí cumprindo as obrigações não sou eu, não é a alma que mora em mim, ela está adormecida esperando a hora em que vou parar de atuar, de representar numa vida que não é a minha de verdade para acordar e começar a viver.

Foi por isso que decidi começar a escrever por esta estória, a dessa personagem que venho representando por tanto tempo. É com ela que começarei a escrever, para me libertar dessa vida falsa. Uma vez iniciado o trabalho de escrever sinto que entrarei na minha vida de verdade, darei ao mundo, libertarei essa personagem representada e poderei recuperar quem realmente sou, a verdadeira eu e viver a minha história. Como a personagem está aqui, vivendo o fluxo dos dias, nos acontecimentos reais nada mais próprio que este blog que também é fluído e segue como a corrente dos dias.

Isso tudo me ocorreu hoje porque acabo de voltar do enterro de minha mãe... Me dei conta do quanto a vida pode ser frágil, curta e que a minha pode chegar ao fim um dia. E vai chegar, não sei quando será e não vou ter tido tempo de viver o que realmente sou. É preciso, portanto, vivê-lo, ou tentar pelo menos despertar o que realmente sou. Preciso começar...