Até que este fim de semestre foi melhor do que esperava, os alunos não me deram tanto trabalho, ou talvez eu tenha sido condescendente e todos conseguiram passar. De todo modo, me dei por satisfeita, devido a tudo que aconteceu e da reviravolta que está em curso, pelo menos as obrigações foram cumpridas do melhor modo possível. Tendo resolvido isso, me enchi de coragem e fui conversar com o diretor e cercada de muitas dúvidas pedi demissão.
Não foi aceita. O diretor disse que me admirava muito, tinha planos para mim e contava comigo para substituir uma das professoras que acabou de entrar de licença maternidade. Eu que pretendia ficar com o tempo totalmente livre para seguir outro rumo na minha vida acabei ainda mais ocupada. Meu senso de responsabilidade falou mais alto do que meu espírito que ansiava pela liberdade. As dúvidas que me cercavam e me interrogavam se essa demissão era a coisa certa a se fazer também contribuíram pela decisão do fico, mas o preveni, que seria apenas por mais um semestre e que as providências para me substituir fossem tomadas.
No fundo fiquei aliviada, ganhei mais tempo para pensar a respeito de minha decisão, me agarrando no porto seguro. Caso o medo vencesse o meu desejo de seguir novos rumos, poderia ficar o dito pelo não dito e continuaria minha vida como convinha ser, na segurança do meu mundo já de muito conhecido e me escondendo na desculpa de que afinal é o meu trabalho.
Logo após o dia do fico recebi um telefonema, com o turbilhão pelo qual passava minha vida, nem me lembrava que andei distribuindo meu currículo por aí na tentativa de uma vaga que fazia muito mais sentido na vida que agora queria deixar para trás. Era um convite para escrever uma coluna mensal numa revista de circulação nacional. Pensei um pouco e resolvi aceitar, esperei tanto tempo por uma oportunidade como esta que recusá-la agora seria um erro do qual poderia me arrepender. Agora, tenho ainda mais trabalho.
Resolvi deixar as questões relativas ao meu trabalho de lado, afinal estava de férias, merecidas. Precisava relaxar e colocar as ideias no lugar, talvez esse pedido de demissão tenha sido mesmo precipitado. Resolvi me abrir com alguém. A pessoa escolhida não foi nenhum amigo, ninguém do meu convívio, essas pessoas já tem um modo próprio de me ver e seus conselhos provavelmente seriam que deixasse mesmo tudo como está, não estão acostumadas a me ver tomada por arroubos como este. Contei a Tom que havia pedido demissão porque pretendia passar um ano viajando. Estava cansada de estar presa a um só lugar.
Quando contei, ele ficou chocado, disse que estava cometendo um erro, que somente sonhadores irresponsáveis, vivem deste modo, jogam tudo que conquistaram para o alto. “É difícil encontrar um lugar na sociedade, uma posição”, me disse, “você tem o seu e pelo que sei gosta dele”. Falou para eu pensar o quão privilegiada sou em comparação às outras pessoas que habitam este planeta, em quantas pessoas não gostam de seus empregos, ganham mal e não conseguem pagar suas contas. Disse que eu estava me saindo muito bem na minha vida, que talvez estivesse um pouco deprimida, ou triste, mas que ia passar e que posso viajar sem ter de abrir mão do meu emprego, muito pelo contrário, ele é que me permitiria viajar mais.
A reação dele acabou sendo o que esperava das outras pessoas, mas expliquei a ele que precisava de tempo para mudar de cultura, ver coisas novas, ver como outras pessoas veem a vida, experimentar coisas diferentes. Não queria ir a outros lugares numa viagem de turismo, com data para voltar, gostaria de ter tempo para sentir, sem pressa, o outro lugar, ficar o tempo que achasse necessário e não o que minha passagem de volta dissesse que era o suficiente. Pensei que essa experiência poderia mudar um pouco meu modo de ver a vida, isso é bom, sair do meu lugar comum, da minha vidinha do dia a dia, que me parece tão sem propósito, que está se tornando insuportável e me sufocando. Reconheço que não levo uma vida muito ruim, só não tem nenhum sentido.
Nesse ponto ele começou a concordar comigo, não se tem a eternidade pela frente e as vezes é preciso arriscar, por melhor que seja nossa vida, ela pode ser diferente sim e não precisamos passar a vida toda no mesmo lugar, fazendo sempre as mesmas coisas, se é para mudar é bom que seja quando ainda há tempo para isso. Ele me confessou que as vezes tem vontade de fazer o mesmo e que acredita que muita gente seja assim, pelo menos as que tem a oportunidade de sonhar, porque boa parte está mesmo preocupada em sobreviver. Muitas pessoas não se satisfazem em ganhar o pão, sustentar a família, ter um trabalho e levá-lo à cabo com honestidade, não, me parece que as pessoas querem mais.
Depois expliquei a ele que isso tudo acabou não passando de um pensamento e de uma atitude insólita, o diretor não havia aceitado a demissão e ainda me deu mais trabalho para o próximo semestre. Ele achou graça, a gente divaga muito, mas no fim o caminho mais prático e seguro geralmente saem vencedores. Falou que eu deveria aproveitar que estava de férias e viajar, iria voltar renovada e ver as coisas com mais clareza, depois me convidou para ir à Porto Alegre, assim poderíamos nos conhecer pessoalmente. Como não fui para Penedo, aceitei o convite.
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