Sábado e o dia se arrastou, já eram 22 horas e 56 minutos, a televisão estava ligada num volume quase inaudível, ouvia apenas aquelas gargalhadas falsas do programa de humor. Na minha frente a caneca com o chá já quase frio e uma pilha de provas para corrigir.
Mais cedo, uma amiga havia me telefonado porque estava interessadíssima em ir ao teatro. A peça estava muito bem comentada, se tratava de um monólogo no qual a personagem é uma balzaquiana dramatizando sobre sua vida de solteira e a busca por um namorado, pois já está passando o tempo para ela. Recusei acompanhá-la, essa peça já conheço de cor e salteado, não preciso ir ao teatro para saber o script.
Além do mais, já tinha um outro compromisso. O final do período lá na faculdade está chegando, na segunda termina o prazo para entregar as notas das provas dos meus alunos e os preparativos para as últimas provas do semestre estão em curso. Como andava muito desorganizada nos últimos tempos, não havia corrigido nenhuma ainda e precisava cumprir este trabalho neste fim de semana.
O problema é que sábado à noite fica difícil se concentrar para este tipo de tarefa e parece que o mundo conspira contra. Meu olhar estava perdido, vasculhando a sala e só se fixou quando encontrou a jangadinha, feita de casca de coco, onde se pode ler “Lembrança de Guarapari”, comprada na excursão das últimas férias de verão. Isso me faz lembrar da proposta para as férias que vem chegando: Penedo. O grupinho fixo de professores, que organiza estas viagens, apareceu há duas semanas com tal proposta, a qual recusei. Simplesmente não dá! Definitivamente, não é isto que quero para minha vida.
Até me deparar com aquele souvenir, que não sei o que passou pela minha cabeça quando comprei uma coisa tão cafona, estava pensando que não é isso que quero para minha vida. Mas, afinal, o que quero mesmo? Foi o que desviou minha atenção da pilha de provas. Na quarta feira, em Ipanema, me sentia tão decidida e agora me encontro novamente confusa, sei o que quero, mas a sensação é de que o meu desejo está tão distante de mim. Acho que o que me prende, me amarra e me indefine é a inércia que devo vencer para mudar.
Na tela do computador, ligado num canto da sala, vi que piscava uma janela. Fui ver quem era. Só podia ser o Tom, meu amigo virtual de Porto Alegre. Estava me perguntando se não ia sair. Menti. Disse que estava terminando de me arrumar e só faltava colocar um salto e a maquiagem para ir a uma festa. O Tom é meio esnobe, adora contar que faz e acontece, que é articulado e não dá conta de tantos convites que recebe. Jamais confessaria a ele que havia recusado o convite para uma peça que espelha minha vida para ficar em casa corrigindo uma pilha de provas num sábado à noite.
Voltei para as provas: “A Conferencia das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas ou COP são reuniões que acontecem anualmente...”. Mas quando foi que comprei esta jangadinha? Ah, foi naquele dia que almoçamos uma moqueca Capixaba em Meaipe e depois fomos à feirinha de artesanato de Guarapari. Que excursão! Achei que estava num treinamento para a terceira idade, se bem que não, eles são bem mais animados. Nem na boate da moda quiseram ir. Todo mundo para cama cedo, pra chegar com o nascer do sol do dia seguinte na praia e passar areia preta no corpo para curar os males. Onde fui me meter!
Não foi isso que pensei para minha vida! Penedo, estou fora! Mas... o que vou fazer nas minhas férias? Nenhum plano. A verdade é que não tenho plano algum para o futuro, nem o próximo e nem para longo prazo. Sei o que quero, mas não sei ainda como vou viabilizar o meu sonho. A que se resumiu a minha vida?... Nem tudo pode ser tão ruim que não possa piorar, começou a tocar uma música alta lá fora, com certeza alguma festa. Eu que já não estou conseguindo me concentrar, tudo conspira contra, ficou ainda mais difícil de terminar esta pilha de provas para corrigir.
Pior, passei o dia todo, fez um sol como só o Rio tem, trancada em casa, rodando em torno da minha obrigação e não consegui nem começar o trabalho. Agora a música aumentou e estou escutando as vozes das pessoas animadíssimas, quanto tempo faz que não me convidam para uma festa? Nem me lembro da última que fui, deve ter sido aquele Natal na escola de dança... e consigo rir de mim mesma!
Amanhã vou jogar essa jangadinha feita de coco fora, preciso mesmo arrumar a casa. Guarapari é tão bonito! Tenho ótimas lembranças de um verão que estive lá com meus pais quando era pequena, achei que a viagem, com os professores, seria boa. De todo modo a culpa não é deles, me pareceu que se divertiram muito, o problema era comigo. Será que o Tom foi a alguma festa? Como será que ele é? Até hoje só vi uma foto dele, mas não deu para ter muita noção, quem sabe um dia a gente não se conhece.
No domingo não teve outro remédio, me obriguei a concluir a tarefa que mal consegui iniciar no dia anterior. O dia todo debruçada sobre as provas e consegui que todos os alunos tivessem suas notas. Tarefa cumprida merecia um prêmio, além das férias sem planos por vir, fui comer uma pizza num domingo a noite depois de ir, desacompanhada, como sempre, ao cinema assistir a última estreia para que meu fim de semana não fosse inteiramente passado dentro de casa.
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