terça-feira, 6 de novembro de 2012

Episódio de Origem – Parte 3

Talvez esses pensamentos sejam só a expressão da tristeza por a ter perdido, por ter ficado só. Minha mãe teve uma vida muito boa! Sua infância foi feliz, teve liberdade de brincar numa cidade tranqüila e depois, como para completar sua formação, se mudou para uma cidade grande, numa época que as coisas eram menos difíceis por aqui. Se formou numa boa universidade e trabalhava com o que gostava. Sim, ela foi uma bailarina!

Papai era um homem de muito caráter, sempre correto e companheiro. Não sei se o amor deles foi arrebatador, mas foi uma relação tranqüila, sem sobressaltos e acima de tudo se davam muito bem. Tiveram seus desentendimentos, muitos, quem não os tem? Mas, no todo, viveram uma vida boa!

Ela pode não ter sido uma bailarina profissional, mas com toda certeza contribuiu para trazer arte e beleza para o mundo, ou pelo menos para quem estava a sua volta. Contribuiu para a educação daquelas meninas e para a formação de seus sonhos. Sempre foi muito talentosa, não só para a dança, mas em tudo a que se propunha a fazer. Lembro-me que as festas de Natal aqui em casa sempre foram muito acolhedoras, mas a família era pequena e ela tinha um desejo de fazer uma grande festa. Então, quando eu já estava um pouco crescida, ia entrar na adolescência, fez a Grande Festa Natalina na Escola de Dança. A festa parecia saída de um conto de Natal, vieram muitas famílias das alunas, seus pais, irmãos, tios, primos, avós e todos que puderam vir. Minha mãe montou uma coreografia encenando o nascimento do menino Jesus, a festa foi completa e por muitos anos ainda se falava nela. Foi realmente memorável!

Acho que esta festa foi o marco do final da minha infância, depois vieram os conflitos da adolescência, quando começamos a perder a paz, a inocência infantil, o descompromisso com a vida e começamos a crescer, nos tornar adultos e passamos a sonhar menos, quando entramos nessa vida levada pelos dias.

Pois agora, nos próximos dias devo passar por uma nova transformação, daqui para frente minha vida será totalmente diferente do que sempre foi. Esse acontecimento é daqueles que transformam nossa vida para sempre, não tem mais como voltar atrás. Agora estou só e de certo modo minha vida apenas me pertence e o que fizer dela implicará na construção de um novo caráter.

Trazemos aderido aos nossos valores o aprendizado com nossos pais, os princípios que eles conseguiram nos ensinar, o modo como viam a vida, suas noções de certo e errado. De alguma forma nossos atos são realizados sob a visão de um observador implacável, por mais que sejamos senhores de nossas vidas, em tudo que fazemos, conscientes ou não, consideramos o que nossos pais pensariam a respeito, como se fossem observadores constante de nossos atos. Uma vez sozinhos, sem suas presenças físicas, de algum modo estamos livres para fazermos diferente. Aqueles que poderiam nos criticar não estão mais aqui, mesmo que carreguemos para todo sempre os valores ensinados que ficam entranhados na alma, formando a essência de quem somos, achamos que agora podemos seguir por novos caminhos, traçando nosso próprio destino.

Penso nisso tudo, porque se minha vida será diferente agora, talvez consiga ter algum controle sobre isso e escolher o que quero de agora em diante sem ter que prestar contas tão rigorosas a observadores tão exigentes, que na maior parte do tempo não são tão exigentes assim e estão mesmo aqui para nos apoiar. Mas, talvez, agora consiga fazer dela um pouco do que gostaria que fosse, me arriscar mais sem ter que ouvir aquele eterno conselho para ter juízo. Liberdade? Não estou, de modo algum, apreciando estar só ou a morte ter chegado a quem tanto amei, não... que amo no presente, o amor continua... Não estou gostando dessa solidão tão recente, se digo que posso ser diferente, se penso que não serei mais julgada por quem tanto tive medo de ser condenada é porque quero arriscar, experimentar ser diferente para viver a minha vida de verdade. Não culpo ninguém a não ser a mim, não tem nada haver com meus pais e sim comigo mesma, com a busca de quem sou e do que realmente quero.

No entanto, é muito difícil. Difícil não só viver de verdade, mas não ter mais o porto seguro, o carinho, o colo, o ponto de equilíbrio, a pessoa que se pode contar acima de tudo, que estará do seu lado independentemente do seu caráter, que te julgará, mas não te abandonará; seguirá ao seu lado para que não esteja só nas dificuldades e com quem partilhará as conquistas, a felicidade e o passar dos dias, independentemente do que escolha ser.

Pois aqui estou, não sei o que será de mim, se o futuro já é incerto, o meu está ainda mais nebuloso, pois quero ir em busca da minha vida, a de verdade, não sei até onde chegarei, mas compartilharei aqui a minha busca, registrarei o porvir. O que será que me espera?

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