Os dias seguem, vivo agora numa tentativa de voltar à normalidade, mas é impossível! Terei que descobrir o que é a normalidade agora, é muito duro arrumar a casa, sua presença está em tudo. O arranjo de flores que ela trouxe da floricultura murcha em cima da mesa e não tenho coragem para me desfazer dele. As roupas no armário aguardam uma nova dona, o livro de receitas está aberto na cozinha na página com as instruções para o bolo que não será mais assado, o marcador ainda indica de onde deve-se continuar a leitura do romance que nunca chegará ao final, cada cantinho da casa guarda um pouco de alguma atividade interrompida que não se completará. A sala de aula de dança está vazia, a sapatilha jogada num canto e as meninas ainda não sabem dançar toda a coreografia da apresentação do fim do ano.
Essa é a grande questão, pensar no que farei com a escola de dança, nela está contida a essência da concretização de um sonho de uma vida, fechá-la significa a interrupção definitiva assim como todo o resto que também se cessou, extinguindo de vez o sonho, o único que foi possível. Tenho muita pena de ter de fechá-la, mas eu não poderia assumi-la, o meu sonho é outro, meu trabalho é outro, apesar de fazer parte de mim, da minha história, não está no meu presente nem nos meus planos de vida. Era difícil, mas teria de fazê-lo, talvez como o encerramento de um ciclo, um rito de passagem, um marco para a nova vida, como ponte de partida para encontrar a minha essência e ir de encontro com minha existência verdadeira.
Eu queria vendê-la de porteira fechada, mas encontrar um comprador era o problema e tinha de ser rápido porque se não perderia seu maior valor, as alunas. Se isso não fosse possível a fecharia e colocaria suas dependências à venda, já tinha até uma proposta muito boa de uma construtora que quer colocar a casa no chão. De qualquer modo, precisava do dinheiro para organizar minha nova vida e por em prática a decisão que poderia transformá-la completamente, viver o sonho que sempre tive, a oferta era irrecusável!
Tive aulas de ballet naquelas salas, cresci ali dentro, ali fui muito feliz, algumas professoras são minhas amigas, quase irmãs, tantos funcionários antigos e fechar a firma, além do trabalho, me doía. Estava nesse impasse quando a solução apareceu: três das professoras, que acabariam por ficar sem emprego, me propuseram sociedade. Continuariam tocando a escola e me pagando um pró-labore até que pudessem comprar a firma. Perfeito!
O sonho não acabou, a coreografia continuaria sendo ensinada, as alunas teriam sua apresentação de fim de ano, todos continuariam em seus empregos e minha vida mais fácil com menos uma decisão a tomar. A vida precisa continuar o seu curso, afinal foi mais um dia que se passou. Ah, esse ritmo frenético do tempo que não para e não espera pela gente!
A vida passa por mudanças todos os dias, umas mais bruscas que outras, a maioria não percebemos e vão sorrateiramente transformando tudo a nossa volta, outras invadem nossa vida e a deixam de cabeça para baixo, só nos resta reagir do melhor modo que pudermos. A gente segue em frente, mas ainda ficamos presos ao passado, a quem fomos e é isso que somos.
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